Barriga


Me alimento bem. Faço yoga, quase todos os dias. Respiro bem. Respiração baixa, abdominal, diafragmática. Tomo 100mg de sertralina pela manhã, 50mg de trazodona à noite. Tento ter um sono regular. Tomo sol sempre. E aqui estou. Extremamente desconfortável dentro do meu corpo. Liberando uma energia represada em súbita crise de ansiedade, agora, ao deitar-me, após um dia aparentemente sossegado e agradável. Uma sensação física de vômito querendo sair pela goela, de indigestão, de desconforto. Minhas articulações doem. Minha testa se franze. Meu esôfago e meus intestinos se retorcem em certa agonia. Minha barriga parece ser o epicentro da tragédia. Essa barriga, redonda, macia, adornada com um piercing, a quem quero dar amor e aceitação. Essa barriga, que carrega minhas entranhas, que me deixa respirar - ou não. A dobra de gordura que pende dela toca desgostosamente minhas coxas quando me sento, e me remexo como uma minhoca exposta ao sol tentando encontrar uma posição confortável - uma posição em que minha barriga protuberante possa se expandir sem a resistência incômoda de outras partes de meu corpo, ou de qualquer outra superfície. Usei hoje, é verdade, durante boa parte do dia, uma calça um tanto apertada, que a cingiu com certa pressão. Eu não queria usá-la, mas era a única calça que eu tinha para sair. Neguei-me a vestir um sutiã, mas vesti a calça justa. A calça-camisa-de-força. A calça que mais parece uma cinta modeladora. Credo. Lembro-me de quando era criança. Eu odiava calças. Elas apertavam minha barriga. Aqueles elásticos estrangulando o meu corpinho, a minha tenra barriguinha infantil. Talvez isso diga algo sobre mim. O quê? Não sei bem. Coloco as duas mãos sob a dobra da barriga, acomodando-as sob ela. Sinto ali minha pulsação. Relembro-me da minha menstruação, que tardou muito a chegar, e hoje deu os primeiros sinais de descida. Amanhã devo sangrar pra valer. Oh. Havia me esquecido! Como?! Como uma mulher se esquece de que a barriga guarda, também, essa parte tão importante sua?! Meu útero. Meus ovários. Minha pobre barriga! Barriga querida, barriga redonda e amada. Primeira parte que eu identifiquei como minha ao tomar banho quando criança. A única que eu enxergava. Barriga que eu interpretava ser meu corpo inteiro! Lembro-me de ensaboá-la com branca espuma, minha barriguinha redonda, acreditando estar lavando meu corpo inteiro. Barriga que carrega tanta coisa dentro de si. Barriga que odiei tanto mais tarde, durante tantos anos. Não quero mais te odiar, barriga amiga. Minha barriga. Olhar para você é olhar para meu próprio umbigo, é olhar para o meu Eu todo. Para a Carolina criança, a Carolina adolescente, a Carolina mulher adulta. A Carolina que, desde cedo, detestou que a limitassem, que a restringissem, que a sufocassem em um número, em um padrão, em uma adequação estúpida, incômoda. A Carolina criança sabia que o problema não era seu corpinho: a calça é que era inadequada. A Carolina de hoje também sabe disso. Mas levou muitos anos para reaprender. E sua barriga hoje talvez tenha se ressentido e protestado contra a súbita compressão repressiva que recebeu. Um reflexo do corpo na mente. Da mente no corpo. Afinal, o que é o corpo sem a mente e a mente sem o corpo? Começo a compreender, por fim, que são a mesma coisa. Partes artificialmente separadas de um todo orgânico. A barriga, o centro, o core. Barriga livre, barriga do seu jeito, sem padrão a seguir, sem regra a que se adequar. Barriga. Barriga que se expande. Barriga orgulhosa. Barriga feliz. Barriga amiga. Barriga amorosa. Minha barriga.

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