Encontro

Que paulada que foi te conhecer. Na mais inesperada das situações, belo, sincero, espontâneo e altivo. Um homem feito. Irreal e materializado diante dos meus olhos, a brutalidade surda de se conhecer um deus. Te olhei, e não Te entendi, atônita, paciente, imóvel. Minha condição humana incapaz de compreender a natureza do que se mostrava em frente a mim. Inapreensíveis virtudes se fizeram verdade diante de meus olhos, passivos e serenos. Sensação única e desconhecida, um entorpecimento ciente, atento. Um desapego, uma estranha liberdade. Minha atenção foi toda Tua.
Mas, agora que se foi, me sobra a angústia, o questionamento quase que religioso.
Tão elevado e inalcançável, mal me atrevo a Te desejar. Que teria eu a Te oferecer, homem-deus? Embora estremeça de admiração e fascínio, nada sou perto de Ti. Sem a menor cortesia é que o digo, sem a menor falsa modéstia. Sabes que sou sincera, divindade terrível, em Sua terrena perfeição. Pois eu, que sempre vi os demais abaixo de mim, vejo agora, pela primeira vez, alguém inquestionavelmente acima. E se confunde meu desejo pelo homem, e meu anseio vivo por também ser imortal. Essa garota reconhece sua condição, e não nega sua crença em ser capaz de se igualar a Ti, respeitada divindade. Quero me tornar mulher. Mulher-deusa, bela e temível, de tão vasto poder que o ar ao Seu redor é mais denso de se respirar.
Eu jamais poderia tê-Lo hoje. Quão insuportável seria, ver meus tristes defeitos ao lado dos feitos já incontáveis de um herói mítico. Meu coração se abala por um momento, e meu corpo queima pelo homem belo de voz crepuscular. Mas minha ambição chameja ainda mais forte, e sabe. Sabe que este emblemático encontro se deu para que pense grande, deusa-embrionária. Um vislumbre de que os deuses são, afinal, reais. Antiga Promessa, por fim se cumprirá: correrei em direção aos deuses. Merecerei meu lugar nesse seleto clube. Sempre soube o que tenho dentro de mim, no que poderia ser capaz de se tornar. Paro de tomar tudo por garantido, de pensar pequeno. Tiro meu focinho da lama terrena para ambicionar o que há de mais extremo. Por mais que deseje o homem-deus, a admiração sobrepuja o desejo. Mais desejo dele ser digna.

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E, agora, sobre esse encontro, vem-me uma epifania. Ao me deparar com essa materialização de deus moderno, me fiz uma perturbadora pergunta. Quem eu quero ser? Quem preciso ser para ser merecedora de andar ao lado do homem-deus? E a própria entidade me traz essa resposta. Como o encontro com o divino deve fazer. Sem sombra de dúvida, quero ser sua igual. E que a resposta já se fizesse evidente, não é ela que me surpreende: é o sentimento da religião, por mim nunca dantes experimentado. Trouxe-me enigmas, trouxe-me verdades absolutas. Entendo, agora, o êxtase religioso. Eu, que não procurei, que, de fato, o desprezei em minha descrença. A mim veio ele, à infiel, à herege. E desse encontro inusitado saio mudada, com a certeza de que não se tratou do acaso. O homem-deus veio a mim revelar a sua verdade, em momento crucial, e ela é agora inexorável parte de mim. Com respeito reverente, sei que fui predestinada, desde sempre escolhida. E sua aparição foi a confirmação material de tal fato, sobre o qual sempre intercalei certeza e dúvida. A princípio confusa com inhumanas e tamanhas qualidades, me vi pequena, infantil, e idiota, e inútil, e indigna. Completamente indigna. Agora, compreendo. Não foi um chamado para a ascenção imediata, para a qual evidentemente não estou pronta, mortal estúpida, mas um claro e formal chamado de iniciação. Nem posso dizer que me entreguei, pois outra escolha não há: sempre foi esse o meu caminho. Com respeito reverente, ingresso humilde na mais baixa e insignificante posição da hierarquia a caminho da ascenção divina. A indizível honra de ingressar nesse círculo. Ontem criança perdida, brincando de saber de algo na mais completa escuridão, hoje sou feita semi-deusa, no primeiro degrau para feitos extraordinários. Entendo por fim que fé não é crença; fé é certeza. Encontrei a minha verdade.

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